Hoje é aniversário de minha amiga LEILA JALUL, cronista acreana que vive na Bahia. Hoje, mais do que em outros dias, eu adoraria dar um abraço em Leila, mas na impossibilidade de ir de São Paulo à Bahia, publico aqui, neste humilde espaço, mais uma de suas deliciosas crônicas.
Leila, FELIZ ANIVERSÁRIO AMIGA! FELIZ NOVA IDADE!
"MINHAS FÉRIAS
Se eu fosse autoridade na área educacional, em definitivo, baixaria um decreto proibindo que no primeiro dia de aula, apenas para matar a má vontade de alguns professores, fosse pedida a eterna redação "Minhas férias". Proibiria outras coisinhas banais que se repetem ano após ano, deixando crianças com o emocional no chão. Porém, como não sou autoridade e nunca serei, apenas sugiro. Ocorre com freqüência ver crianças órfãs tendo que desenhar corações e cartões para pais e mães que não existem mais. Não por insensibilidade dos professores, mas muito por orientação da própria escola. Turmas grandes, salários baixos e outras dificuldades não deixam às vezes nem que o próprio professor se aperceba desses "pequenos" detalhes.
Volta às aulas: tema livre para as redações. Dia dos pais e das mães, atividades que envolvam quem os tenha, ou não. Essas seriam algumas das providências que eu tomaria. Sempre deixo claro o respeito às exceções. Foi na terceira ou quarta série do antigo primário que me vi numa saia justa. O dia anterior tinha sido uma desgraceira só, pior do que os outros dias. E lá estava eu com o cabeçalho prontinho. Caderno de papel almaço pautado, letra bonita treinada no livro de caligrafia. O tempo passando e não saía uma linha. Roía a cabeça do lápis, quebrava a ponta de tanta força, de tanto ódio, apontava, testava. Roía de novo o lápis de pau-brasil, mastigava um pouco de grafite, cuspia a seco. E nada. Enquanto isso, as meninas iam de vento em popa. Umas contavam da Fazenda Araripe, outras de pescarias, outras de passeio de batelão, festas de aniversário, Natal... E eu, nada! Até que resolvi não ficar para trás e mandei ver.
Redação: Minhas férias.
Minhas férias foram iguais às outras. Nada de novo. Mamãe trabalhando que nem doida na loja de vovô. Irritada, quase todos os dias me dava uma surra porque eu não tinha feito o que ela mandava. Esqueci de cortar os gravetos para acender o fogareiro e, quando fui buscar, tinha chovido e os paus estavam todos molhados. Também esqueci de tirar a roupa do varal e pegou chuva por dois dias seguidos. Ficou fedida, com cheiro de manipueira azeda. Apanhei de novo, desta vez com o pedaço de taquara que levantava o varal, porque, além de molhar a roupa, ainda arrastou no chão e melou de barro. Outro dia foi horrível, papai chegou de porre, como terno de linho todo manchado de batom das quengas da 6 de Agosto. Mamãe quase deu nele.
- Vagabundo! A estas horas? Ele, nem ligava, e só dizia:
- Vagabundo! A estas horas? Ele, nem ligava, e só dizia:
- Calma, mulher. Calma.
Deitou com os pés sujos de lama na colcha bordada e dormiu. Foram assim quase todos os dias de minhas férias.Mas, ontem, ontem foi pior. Teve uma briga na esquina lá de casa. Briga feia! A Chica Tolete, possuída pelo bicho preto (não falo o nome dele), subiu num caminhão e foi preciso chamar a polícia. Ela bateu nuns dez soldados até passar o encosto e ser presa. Foi assim. E hoje estou muito feliz por ser o primeiro dia de aula.
Reli, para ver se faltava alguma coisa. Mas, para falar a verdade, fiquei com vergonha. Amassei o papel e escrevi outra.
Redação: Minhas férias.
Minhas férias foram ma-ra-vi-lho-sas! Passeei muito, pesquei, andei de barco no açude do pai da Laélia, Seu Joaquim Francisco, lá na Estação Experimental. Tomei muito banho com os meninos. E vovó ainda deixou eu usar uma bombacha da minha irmã. Depois do almoço, que foi buchada de carneiro, Dona Joanita mandou eu brincar com as bonecas de pano da Savitre, irmã da Laélia. Num domingo, papai, homem direito, que não fuma, não bebe, não joga e nem é namorador, me pegou pela mão e me levou para a praça do Quartel. Conversamos muito. Depois me prometeu uma boneca no Natal. Uma que fala, ele disse. Não ganhei a boneca, mas tá bom. Sei que ele é um homem de palavra, e, quem sabe, um dia dá. Não é mesmo?
Minha mentira de nada adiantava. A professora Iranira sabia, e como sabia, que a verdadeira redação estava amassada no chão. Ganhei um "ÓTIMO!" de menção. E uma piscadela de aprovação."
(*) Leila Jalul, procuradora aposentada da Universidade Federal do Acre. Autora de Suindara (Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora LTDA, 2007) e Absinto Maior (2007)
leilajalul@gmail.com
leilajalul@gmail.com
13 comentários:
Adorei a crônica de Leila Odele, ela escreve muito bem! :) Parabéns para ela!!
Beijos menina :)
Parabéns à Leila. Duplos. Pelo aniversário e pela crónica de que gostei imenso.
Um abraço resto de boa semana.
Parabens para a Leila, não só pelo aniversa´rio como pela crónica
saudações amigas
Em primeiro lugar, um beijinho de parabéns para a Leila.
A tua homenagem, neste dia, não podia ser melhor.
De facto, os textos da Leila são admiráveis.
E este, muito em particular, diz-me muito pois fui professor quase quarenta anos.
Realmente, se um professor não tem cuidado, e apenas ensinar para o chamado "aluno médio" arrisca-se a ferir alunos que, muitas vezes, ficam envergonhados por se sentirem "fora da norma".
Há que estar muito atento e ser sensível às diferenças.
Absolutamente sem palavras...e parabéns a Leila.
JInhos às duas!
Odele é sempre especial. Muito especial.
Não sou muito acostumada com festas. Ontem tive um dia bom na companhia dos meus netos, filho e nora. Lambanças de chocolates à parte, foi muito bom. Receber palavras e bons fluidos dos amigos (também meus) de Odele é maravilhoso.
Obrigada, Odele e amigos.
Deus nos abençoe e às nossas famílias.
Parabéns atrasados a Leila e perante esta sua crónica só posso tirar o meu chapéu e aplaudir de pé. Uma maravilha sobre uma dura e triste realidade.
Beijos e obrigado pela partilha
....
Odele,
É bonito este teu gesto. E é particularmente bonito até pela escolha dos textos, simplesmente enternecedores.
Um abraço
Se felicidade não vem jeito é inventar.
Cadinho RoCo
Esqueci. Parabéns Leila e Odele pela dica do aniversário.
Cadinho RoCo
Esqueci. Parabéns Leila e Odele pela dica do aniversário.
Cadinho RoCo
Uma bela homenagem, bem escrita e como deve ser bom ter amigos como tu, penso que qualquer pessoa te adora amiga Odele.
Parabéns à amiga Leila também.
Bjs em ti
Nuno
Belo texto, amiga... parabéns à sua autora...
Toca-me um pouco porque sou professora do 1º ciclo e procuro, sinceramente contornar esse tipo de realidade... Talvez um dia te escreva sobre o funeral do pai do André... sobre o Diogo que me oferece cartões no dia dos Namorados e sobre o Bruninho que não aprendeu ainda a ler como os colegas, mas que diz que quer namorar a minha filha...
Tanto haveria a dizer...
Mas conheço a realidade de turmas de 30 ou 40 crianças e também de professores aos quais falta vocação e sensibilidade...
Beijinhos, amiga...
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