domingo, setembro 23, 2007

LEMBRANÇAS QUE FICAM.

Algumas experiências pelas quais passamos na vida, por algum motivo que não atino qual seja, ficam gravadas, impressas em nossa mente e nos acompanham pela vida afora. Passe o tempo que passar, volta e meia, relembramos a história, revemos as cenas e até sensações e sentimentos relacionados ao acontecimento, podem nos levar de volta no tempo.

Na pequena cidade de Pedra Branca, no Ceará, nordeste do Brasil, onde nasci há muitos anos atrás, havia uma mendiga, a Cardosa, que perambulava pelas ruas pedindo esmolas. Era bem velhinha, e não sei se devido ao peso da idade ou se era uma deficiência física, Cardosa era muito corcunda e andava tão curvada para frente, que mal era possível lhe ver o rosto. Por essa época eu tinha entre oito e nove anos de idade. Lembro-me de ficar sempre muito impressionada e comovida pelo ar de abandono e desamparo de Cardosa. Um dia correu a notícia de que a mendiga havia falecido.

Pouco tempo depois da notícia do falecimento de Cardosa, eu ajudava minha mãe na tarefa de moer o milho para o cuscuz (pão de milho) daquele dia. Minha tarefa era, colocar no moinho, um utensílio doméstico que aqui em São Paulo usa-se mais para moer carne, os grãos de milhos que eu tinha numa bacia. Entre um intervalo e outro de uma mão cheia de milho levada ao moinho, eu me recostava no batente da porta da cozinha, mania que até hoje tenho, - recostar-me nos batentes das portas, como se isto me trouxesse um grande descanso. Conosco, na cozinha estavam minha tia e duas primas e o assunto da conversa era a morte de Cardosa. Eu, querendo fazer graça, ainda segurando a bacia com o milho, comecei a imitar a morta, andando curvada tal qual Cardosa andava. Todos riram e me lembro de ter ficado satisfeita por ter conseguido ser engraçada.

Ainda segurando a bacia cheia de milho, voltei a me recostar no batente da porta e já me preparava para botar mais um punhado de milho no moinho para minha mãe continuar a moer, quando senti um calafrio e a forte sensação de que a mão de Cardosa se apoiava em meu ombro. Apavorada e aos gritos, arremessei para o alto a bacia com os grãos de milho, que óbvio, se espalharam por toda a cozinha. Foi um susto do qual até hoje me lembro com riqueza de detalhes, e até hoje, ao me recostar no batente de uma porta, a cena me volta à mente e silenciosamente me desculpo com Cardosa e lhe desejo paz.

8 comentários:

MANIA disse...

Esta sua história está muito bem contada,parece que vivi consigo o susto da Cardosa.
Um beijinho

Um Poema disse...

É bom estar de volta e vir aqui ler-te!

Obrigado pelas palavras que deixaste, durante a minha ausência.

Beijos para a Flávia.

Um abraço

Maria Clarinda disse...

Excelente conto, a n/inf�ncia sempre cheia de recorda�es.
Beijos de ternura

António Melenas disse...

Olá Amiga
Jà me têm acontecido coisas semelhantes é a força da sugestão. No teu caso foi a consciência súbita de que não devias brincar com a afalecida. O que importa ´é que a história está muito bem contada
Um abraço

Meg disse...

Eu diria que é a voz da consciência que nos chama a atenção, mesmo em criança. Por isso essas memórias permanecem bem vivas como um alerta.
Gostei da desenvoltura do texto.

Um abraço, Odele

Cusco disse...

Olá! Obrigado pelas visitas e comentários durante a minha ausência.
De certeza que a Cardosa lhe perdoou a brincadeira e a mão no ombro era um gesto amistoso…
Beijinho para todos e tudo de bom!
Até breve
SE DEUS QUISER

Jorge P. Guedes disse...

Há sempre boas histórias nas gavetas da memória. É bom abrir estas de vez em quando, para que as palavras guardadas arejem e recuperem a cor!

Um abraço duplo.

Menina do Rio disse...

Estive ausente uns dias e deixei o blog
fechado. Estou voltando aos pouquinhos
e na medida do tempo, voltarei a comentar-vos
Quero que saibam que não vos esqueci e
que os trago sempre em meu coração
beijinhos
Menina do Rio