sexta-feira, fevereiro 09, 2007

NEM GENTIL, NEM SUTIL.


Uma chuva forte caiu durante todo o dia de ontem na cidade de São Paulo, e pistas molhadas e escorregadias, são um motivo a mais de preocupação neste nosso trânsito já tão caótico, mesmo em dias ensolarados.

Ao voltar de uma consulta ao dentista, no início da tarde, nas proximidades de onde moro na Chácara Klabin, me envolvi num acidente de trânsito, felizmente sem vítimas. Como quase sempre acontece nos acidentes de trânsito, as pessoas ficam estressadas e tornam-se agressivas umas com as outras. É comum também ninguém assumir a culpa e fica-se um bom tempo nesse jogo de empurra, um botando a responsabilidade no outro.

No acidente de ontem eu tive a culpa. Não foi grande o estrago que causei no Gol com placa de São Vicente e ocupado por uma moça, um rapaz e seus pais. Os jovens aparentavam estarem próximo dos trinta anos e os pais algo em torno dos sessenta. A moça era quem dirigia, mas no momento da colisão, foi o rapaz quem desceu do carro com cara de bravo. Assumi a culpa de imediato e passei a tratar da parte burocrática da situação. Para complicar eu havia esquecido meu celular em casa e o jeito foi usar o celular da moça para fazer o contato com minha seguradora. Sinistro registrado fomos a um posto policial para fazer o Boletim de Ocorrência – o BO.

Eram 14h15 quando cheguei ao posto policial acompanhada dos ocupantes do carro por mim atingido. Os policiais de plantão, três homens e uma mulher atendiam dois homens também envolvidos num acidente de carro. Enquanto aguardava minha vez fiquei observando a demora no atendimento. A mulher policial era quem inicialmente operava o computador, sem agilidade e sem simpatia com quem esperava. Depois de uma demora inexplicável para a digitação de um simples BO, a mulher foi tentar imprimir o documento, mas a impressora estava com defeito e a impressão saia truncada ou simplesmente não acontecia. A policial e seus colegas mexiam daqui, mexiam dali e nada da impressora funcionar. Terminou o plantão da mulher e um policial loiro e bochechudo tomou seu lugar para dar continuidade à emissão dos BOs.

15h30. Termina a emissão do BO dos dois homens que já estavam no posto quando chegamos. Eu e a moça que dirigia o carro por mim atingido, nos sentamos à frente do policial loiro e bochechudo para que ele iniciasse a digitação de nossos dados. O homem numa visível falta de habilidade, digitava com um único dedo e a tarefa se arrastava tarde adentro. Fui ficando agoniada com a demora na emissão de meu BO e sugeri ao policial que anotasse nossos dados e eu voltaria no prazo por ele estipulado para buscar o documento, me comprometendo a enviar pelo correio, a cópia da moça condutora do Gol. Foi a conta. O homem, visivelmente irritado aproximou o rosto dele do meu, tanto que foi possível sentir sua respiração, e disse num tom ameaçador e sem a menor preocupação em ser sutil:

- Senhora, já ouviu dizer que o peixe morre pela boca? O meu superior não gostou nada de ouvir a senhora reclamar da demora. A senhora acha que está demorando? Pois pode demorar muito mais. Dias até. Quer mais rapidez? Posso lhe encaminhar para outro posto policial, de preferência bem longe daqui.

A mãe da moça dona do carro que atingi, tentou me defender.

- Cabo, ela não está reclamando do senhor, mas sim do sistema. Essa impressora que não funciona, é que está impedindo que o BO seja emitido com mais rapidez.

O marido dela e pai da moça aproveitou um momento em que o cabo saiu da frente do computador e cochichou comigo:

- Que absurdo! Estamos aqui há mais de duas horas, ainda não conseguimos o BO e não se pode dizer nada que o policial se ofende. Ele não sabe, mas meu filho é advogado. Esses policiais pensam que podem nos tratar dessa forma desrespeitosa. Eles que tomem cuidado pois nem sempre sabem com quem estão falando.

Foi só um desabafo do senhorzinho, minutos depois o policial voltou para a frente do computador e a agonia continuou.

17h. Saiu o BO. Como a impressão foi quase tirada a fórceps, o policial achou melhor não tentar imprimir duas vias. Disse que tirássemos xerox num local, duas ou três casas adiante e voltássemos lá que ele botaria um carimbo, sua assinatura e tudo teria o valor de uma via original. E assim foi feito.

Os quatro ocupantes do Gol, com a cópia do BO, se despediram de mim de forma bastante simpática. Eu voltei para casa com uma sensação no mínimo, de desconforto. Quase três horas para se conseguir um Boletim de Ocorrência por um acidente de trânsito, convenhamos, é tempo demais. Protestar contra essa demora e ser intimidada pelo policial gera a sensação de desamparo e constrangimento. Cheguei em casa me sentindo assim, desamparada e constrangida.

No bloco de anotações ao lado do telefone, entre os recados da tarde havia o nome de um amigo. Ele soube do acidente e telefonou para saber se eu estava bem, se havia me machucado. Foi o suficiente para levantar o meu astral. Um amigo tem esse poder sobre nós: Nos botar pra cima quando o mundo nos é hostil.

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